30.6.06

 

Humores de Um Social-Democrata

JPP, figura singular da nossa original Social-Democracia, em versão actualizada para o século XXI, com o seu artigo de hoje, no Público, volta de novo ao seu costumado fado pró-liberal, suponho que também assim entendido, no plano económico, e continua, com tal exercício canoro, a não dar uma de jeito, sequer, para a Social-Democracia.

Há longo tempo que o vemos sempre a elogiar as medidas restritivas dos Governos, tanto mais aplaudidas, quanto mais apertadas, saudadas, naturalmente, como absolutamente necessárias e, claro, sempre para os clientes habituais : os argentários empregados por conta de outrem, os perdulários funcionários públicos e demais notórios dissipadores da riqueza nacional, comprovadamente responsáveis pelo afundamento da nossa depauperada actividade económica, de outra forma seguramente florescente.

Custa-me a perceber porque permance JPP ligado a um Partido que teima em usar designação tão desajustada do tempo presente, como essa coisa da Social-Democracia, de forte ressonância a séculos passados, do tempo das máquinas de vapor e de carvão, engenhos, como se sabe, altamente geradores de terrível poluição.

Aqui, contudo, reconheça-se, que não destoa de muitos dos actuais dirigentes do PSD, os quais, raramente, se dão conta da razão de ser do nome do seu Partido, que, praza a Deus, lá se esconde, como pode, por detrás da simpática, mas inócua sigla, não vá alguém ainda tomá-lo a sério.

Neste aspecto, Santana Lopes era mais prudente ou pragmático e chamava-lhe sempre PPD/PSD, antepondo-lhe a sigla de popular, aquela que mais se ajustava à sua idiossincrasia, talvez saudoso das águas políticas da sua mocidade, quando usava «barba contra-revolucionária», antes de descobrir a sua vocação social-democrática junto de Francisco Sá Carneiro, que, desafortunadamente, de pouco tempo dispôs para o doutrinar, para seu pessoal alívio e nosso comum prejuízo.

Pacheco Pereira persiste, assim, na sua «deriva» neo-liberal, investindo contra o Estado de Bem-Estar Social, razão provada da ruína das sociedades evoluídas, como a americana, a brasileira, a chinesa e outros excelsos modelos de harmonia e prosperidade sócio-económica, cultural e civilizacional.

Tal como recentemente, alguém também descobriu que, para seu imenso escândalo moral, afinal, a maioria das pessoas, nesta ociosa parte do mundo ocidental, apenas trabalha 11 meses por ano, mas recebe 14 ordenados e, para cúmulo, ainda aspira a ter parte nos lucros das Empresas, subsídios de doença e pensões de reforma, antes da completa decrepitude. Ele há mesmo gente totalmente irrealista, obtusa, decerto, ante a clara e justíssima lei da distribuição do Rendimento Nacional, segundo o recto princípio do directo contributo de cada um para o produto colectivo da Nação.

Força, força, camaradas neo-liberais ! Só mais um pequeno esforço e ainda porventura chegareis, quem sabe, ao Paraíso na Terra, quando conseguirdes auferir rendimentos semelhantes aos dos elegantes CEO nova-iorquinos e pagardes aos demais empregados pelas alentadas tabelas salariais da surpreendente China Comunista-Capitalista, outrora uma feroz ditadura desrespeitadora dos direitos humanos, mas hoje uma promissora Nação, com peculiares métodos de trabalho, que induzem nos seus trabalhadores inusitados e fortes ímpetos produtivos, capazes de gerarem invejáveis taxas de crescimento económico !

Havereis de receber, então, um merecido Prémio Nobel da Gestão, que, na altura, já terá certamento sido, para o efeito, criado.

AV_Lisboa, 29 de Junho de 2006

28.6.06

 

Dois Anos de Intervenção

Em tempo de aniversário desta tribuna, quero, em primeiro lugar, agradecer a todos os amigos e internautas, em geral, as palavras de conforto que me dirigiram, quer para o meu endereço electrónico, quer para esta caixa de comentários, a propósito do falecimento do meu amargurado Pai.

Em semelhantes circunstâncias, por mais desesperada que seja a situação vivida, por menores que sejam as hipóteses de salvação, o seu desenlace derradeiro magoa-nos sempre muito, quando respeita aos nossos entes mais queridos e nunca verdadeiramente nos encontramos preparados para ela, por mais consistente que imaginemos a nossa vertente racional, aqui, afinal, claramente diminuída pela nossa dimensão afectiva, emocional.

Entretanto, a vida vai-nos impelindo para a frente, à medida que os dias passam, com novos motivos de interesse, com que ocupamos o pensamento, na busca de ultrapassarmos a comoção do momento.

Tem-me custado a retomar a habitual rotina de vida, afectando até a minha presença na blogosfera. Nem tão-pouco me apercebi que, no passado dia 24, nela cumpri dois anos de permanência, com muitas páginas já escritas, embora, como sempre afirmei, sem desejar acompanhar diariamente a nossa vida colectiva, sócio-política, principalmente, objectivo que não lograria atingir, ainda que o pretendesse.

Tenho procurado complementar esta produção residente com intervenções, mais breves, em outras «casas» que costumo frequentar e em que presumo ser bem recebido. Se estiver errado quanto a esta suposição, apenas peço que os respectivos anfitriões, de isso mesmo me informem, para que elas cessem de imediato.

Com a minha participação na blogosfera, em tribuna própria ou alheia, procuro contribuir para o debate de ideias que considero úteis ou susceptíveis de gerar discussão esclarecedora, respeitando o mais possível as opiniões dos demais, eventualmente contrárias às que expresso.

Sinto-me, como já aqui uma vez declarei, um social-democrata, bastante crítico das teses do neo-liberalismo, especialmente no que este revela de desprezo ou pelo menos desatenção, relativamente ao Estado de Bem-Estar Social, base imprescindível de uma desejada coesão social, que confere sentido e dignidade às sociedades modernas, como as conhecemos na Europa do pós-guerra e que, hoje, muitos teóricos, a meu ver, equivocados, consideram um luxo incomportável, que urge desmontar, sem que eles mesmos abdiquem de todas as mordomias e privilégios que para si decretam e depois pretendem justificar, em nome de uma Entidade bastante mitificada, chamada Mercado, largamente manipulada a seu contento.

Compreendo que seja necessário reformar e tornar mais eficaz o Estado, cortar nas despesas supérfluas, mas tudo isto deve ser feito sem perder de vista a sua final utilidade que consiste em assegurar um papel normalizador, regulador e harmonizador das relações sociais e dos seus conflitos naturalmente delas emergentes, em nome de todos e, sobretudo, dos mais desvalidos, função esta que só o Estado está em condições de desempenhar, porque só ele pode agir com legitimidade para esse objectivo.

A iniciativa privada tem um âmbito diferente de actuação e não se lhe deve pedir aquilo para que ela não tem vocação, nem legitimidade para actuar. Só agindo por meio do Estado, em nome do interesse geral, superior ao dos particulares, sob a cobertura da legitimidade democrática, expressa pelo voto das maiorias, é possível promover a defesa da coesão social, a solidariedade entre os cidadãos, legislando e operando nas áreas para tal competentes.

Numa sociedade coesa e mais equilibrada na distribuição do rendimento todos viverão melhor, com maior satisfação e, presumivelmente, sentir-se-ão mais predispostos a cooperar para o bem comum, sem perderem, com isso, o sentido da realização pessoal, da iniciativa própria, que hão-de gerar a riqueza e o prestígio correspondentes aos diferentes desempenhos de cada um.

No entanto, para que isto mesmo seja realizável, é preciso que não descuremos os sãos princípios da solidariedade geral entre os cidadãos, para que a nossa convivência em sociedade se torne harmoniosa e não uma selva, sem misericórdia para com os mais fracos ou menos capazes.

Devemos, naturalmente, propiciar a manifestação da criatividade individual dos cidadãos, mas não podemos exacerbar os seus instintos egoístas, sob pena de destruirmos essa mesma possibilidade de desenvolvimento individual.

Normalmente neste sentido, favorável a uma organização social, que à falta de termo mais adequado, identifico com o nome de Social-Democracia, sem muito curar do seu rigor teórico ou doutrinário, tenho tentado operar, na blogosfera e num âmbito social mais lato, sem que, não obstante, haja obtido qualquer êxito significativo, devo reconhecê-lo.

Nos anos de formação, no nobre e algo mítico IST ( Instituto Superior Técnico ), rico de histórias de intervenção social, de muitos dos que por lá passaram, nem todas bem sucedidas ou bem formuladas, com muito fanatismo também, praticado por activistas ardentes, convictos da sua missão iluminada, redentora da humanidade, coisas típicas de uma época atribulada, felizmente, parece, definitivamente encerrada, aprendi alguma coisa de Economia, disciplina com alguma afinidade com a Engenharia.

Contudo, qualquer destas áreas e suas respectivas afinidades : Engenharia, Economia, Projectos, Empreendimentos, etc., carecem de um sentido social envolvente mais amplo, para que tudo não se resuma a meros negócios, sem outra perspectiva que corrobore e amplifique o seu significado, numa Comunidade que não começou hoje, antes resulta do esforço de muitas outras gerações que aqui nos antecederam, esforço esse que nos cumpre valorizar e dignificar, ainda que num contexto diferente, usando instrumentos porventura diversos.

No domínio político, torna-se cada vez mais desesperante actuar, pela profunda degradação que atingiu os Partidos, desacreditados na sua acção, pela falta de credibilidade técnica dos seus agentes nas áreas em que pretendem intervir, pela sua ausência de preparação cultural e, sobretudo, moral, o que acaba por minar toda a actividade que venham a desenvolver, divorciando-os da população que neles já não confia, mas que, entretanto, ainda não lhes encontrou sucedâneo.

A recente passagem do PSD pelo Governo revelou-se uma enorme decepção, uma nova oportunidade perdida, com as lideranças medíocres de Barroso e Santana : a primeira, inconsequente e a segunda, mesmo desastrada.

Com a presente liderança, de Marques Mendes, também as coisas não têm corrido bem, desde logo, na chamada reorganização do Gabinete de Estudos, que deveria ser, em qualquer Partido, uma estrutura fundamental, capaz de estudar e acompanhar as matérias sensíveis da Governação do País, com distribuição de tarefas entre os seus membros, devidamente enquadrados, com prestação de contas, em actividade permanente, num ambiente de sã cooperação e disciplina.

Nada disto, que se saiba, se vê em nenhum dos Partidos ditos de vocação de Poder, no caso concreto, no PSD. Tanta desorganização e actuação dispersa semeia a descrença, nos militantes e nos eleitores, em geral, e não habilita o PSD a preparar-se para recuperar a credibilidade perdida, para poder um dia exercer com idoneidade os objectivos que persegue, como Partido de Poder, que legitimamente quer continuar a ser.

Quanto tempo mais terá de passar, até que surjam verdadeiras alternativas políticas para o País poder escolher e não meras substituições de actores, no degradado cenário da Governação, minado pela persistente descrença colectiva ?

Percebem-se já em muitas intervenções, as ambições de certos poderes ocultos que pretendem forçar uma progressiva alteração da natureza do regime democrático, que definha e se desacredita continuamente, perdendo adeptos ou defensores, multiplicando a indiferença ou até a hostilidade de muitos, caídos em situação de desespero e desorientação.

Muita desta degradação presente, só se compreende pela corrupção dos dois grandes partidos centrais, moderados, o PS e o PSD, já que as críticas dos Partidos dos extremos do espectro político carecem de credibilidade, por diferentes razões.

Conseguirá o grande centro político, de tendência moderada, forjar a regeneração do actual sistema político ou, pelo contrário, continuará, na sua habitual inconsciência e notória cupidez, a procurar tirar da degradada situação as vantagens materiais a que ainda possa lançar mão ?

E o resto da Nação : resignar-se-á a um auto-apagamento progressivo até à completa anulação do seu papel, na construção de um desígnio colectivo ?

Urge ouvir a Nação !

AV_Lisboa, 28 de Junho de 2006

15.6.06

 

Honrar Pai e Mãe

Há momentos na nossa vida em que os sentimentos se sobrepõem às ideias, tolhendo-nos abruptamente a expressão delas. Nos últimos dias assim tenho vivido, atormentado pela perda irremediável do meu amargurado Pai, caído há meses num doloroso padecimento sem esperança.

Terminou para ele e também para os que com ele conviviam, um período de excruciante inquietação. Foi de novo para mim um forte abalo espiritual, depois de há sete anos ter sofrido a perda da minha querida Mãe, que, pelo imprevisto, ainda mais me custou a enfrentar, se é que, nestas matérias, eminentemente afectivas, têm cabimento comparações ou gradações de alguma espécie.

Com o desaparecimento dos nossos Pais, inexoravelmente amadurecemos e envelhecemos. Sentimos algo de estranho ao nosso redor, uma sensação aguda de vazio, de pura perda, irreparável, por insubstituível, que nem todo o conforto que os restantes membros da família nos queiram prodigalizar chega para nos compensar do golpe sobrevindo.

Entretanto, sabemos que a vida continua, tem de continuar, com as suas exigências mesquinhas, rotineiras ou empolgantes e a elas nos agarramos para ultrapassarmos o desgosto que nos atingiu, na esperança de ocuparmos a mente com outros assuntos, outras motivações que nos hão-de comunicar novos impulsos, novo alento de vida.

Exemplos de vidas simples, esforçadas, honestas nos seus procedimentos, verdadeiras na sua expressão, como hoje já não abundam, na sofreguidão que se apossou de todos nós, em ter, em possuir, em angariar, para não nos sentirmos diminuídos aos olhos dos demais, influência que subrepticiamente exerce sobre o nosso comportamento a cultura do momento, o espírito da época em que inelutavelmente temos de viver.

Sem nos submetermos ao espírito do nosso tempo, quando cultivamos certos valores e ideais que reputamos elevados, intemporais, a verdade é que nunca deixamos de sofrer o seu influxo, salvo aqueles casos, absolutamente raros, dos que são capazes da radicalidade máxima das opções exigentes de índole ética que um dia ousaram perfilhar, de forma pública ou anónima, secreta, esta última ainda mais extraordinariamente nobre.

Os demais tentam tão-somente contrabalançar, com atitudes de coerência, numa prática quotidiana de moderação, a força avassaladora do momento, implacável modeladora de mentalidades e de comportamentos.

Quando pensamos nos nossos Pais, nos exemplos dignos das suas vidas, desejamos que a nossa nunca os desmereça, antes os honre, com mais ou menos realizações, mas sempre guiados pela mesma nobreza de ideais com que desde pequenos os vimos proceder e que nos habituámos a respeitar.

Honrar Pai e Mãe, como diz a Bíblia, exprimimindo desta maneira um conceito tão singelo quanto fundamental, para a rectidão das nossas vidas, base moral sobre que deve assentar qualquer espécie de sociedade que queiramos construir, deverá ser o lema que nos acompanhe pela vida fora, por todo o tempo em que cá andarmos.

Que nunca façamos nada que possa envergonhar o exemplo de vida honrada de nossos Pais.

AV_Óbidos, 15 de Junho de 2006

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